17.9.06

Pontos de Fuga

Num artigo publicado na sequência de uma providência cautelar requerida por um concorrente excluido de um procedimento concursal, o Miguel Sousa Tavares sugeria que todos os concorrentes deveriam ser obrigados a aceitar os resultados dos concursos públicos em que participam. Percebo a indignação do Miguel Sousa Tavares. As providências cautelares muitas vezes suspendem os concursos e atrasam a construção da obra, o fornecimento do serviço, o início da concessão... Mas a alternativa proposta pelo Miguel Sousa Tavares equivaleria a conferir ao Estado um poder desmesurado, maior do que ele já tem. ###

Se as escolhas da Administração fossem racionais e funcionalizadas ao interesse geral, a autonomia contratual da Admnistração seria ilimitada, como acontece com as empresas privadas. Ela contrataria como queria, com quem queria e quando queria. Da mesma forma que se acredita que as empresas privadas fazem ou tentam fazer as escolhas mais racionais, também se acreditaria que a Administração saberia escolher de forma racional.

Ora, é exactamente por se saber que a Administração, deixada à sua sorte, muito raramente procederia a escolhas racionais, que a lei obriga a que ela lance procedimentos concursais destinados à escolha da melhor proposta. Basta olhar para a forma como a lei regula esses procedimentos para se perceber a quantidade de fases que os mesmos comportam de forma a impedir que a Administração deixe de atentar no interesse geral e passe a dirigir-se para o seu próprio interesse.

Como qualquer lei, também a lei que regula os procedimentos concursais pode ser violada. E de cada vez que é violada, o mais certo é que essa violação tenha como efeito apartar a escolha da Administração da melhor proposta. E essa violação deve ser julgada a tempo de, a verificar-se a efectiva violação, poder obrigar a Administração a redireccionar-se para o interesse geral. Não me parece aceitável que se venha anular um contrato de empreitada de um ponte, depois de a ponte estar construída...

Se a sugestão do Miguel Sousa Tavares fosse adoptada, a Administração estaria livre para fazer o que queria. Bastava-lhe excluir todos os concorrentes indesejados e adjudicar o contrato à empresa amiga ou vizinha, mesmo que não fosse dela a melhor proposta. Os concursos seriam uma farsa.

Mas se assim é, o drama continua. Qualquer concorrente que seja excluido ou perca o contrato vai ter como impulso tentar impugnar o procedimento, suspendendo-o. E lá se adia a construção da ponte, o fornecimento de refeições às escolas ou a concessão de uma auto-estrada.

Mas esse é o drama do Estado Social que temos. De um lado, a sociedade dependente do Estado precisa que este seja veloz, eficaz, que faça obra depressa e bem. Do outro, a sociedade precisa de proteger-se das más escolhas feitas pelo Estado hiperactivo. Este conflito de velocidades é insanável. Um dos lados vai ter de ceder. A sugestão do Miguel Sousa Tavares vai no sentido de serem os cidadãos a prescindir do pouco controlo que exercem sobre o Estado. A minha sugestão vai no sentido contrário. Prescinda-se do Estado hiperactivo e potenciem-se as escolhas racionais.