Os sinos dobram por nós
O pacto da democracia
Há poucos dias PS e PSD assinaram um pacto sobre a justiça e os elogios foram enormes. De acordo com a grande maioria dos comentadores políticos apenas um consenso generalizado pode salvar a justiça portuguesa. Mais se disse que este novo tipo de Bloco Central em nada prejudica a democracia, apenas a enaltece. Infelizmente, e conforme o tempo o demonstrará, a primeira afirmação não é correcta e a segunda é totalmente falsa. Comecemos pela primeira.
Em Portugal o problema da justiça é o não funcionar. Leva tanto tempo que, quando um juiz profere a sentença, esta não serve mais para o fim que se pretende. Quando alguém nos deve dinheiro, o que se faz? Vivendo-se num país civilizado e depois de nada se conseguir por meio de simples pedidos, recorre-se ao advogado que intenta uma acção em tribunal. O objectivo é que o tribunal reconheça algo muito elementar: Que alguém nos deve dinheiro. Porque a maioria das pessoas não tem uma árvore das patacas no quintal, é da máxima urgência ter rápidas notícias sobre o andamento do processo. Que ganhamos para receber o que é nosso, ou que perdemos para seguirmos a nossa vida e não pensar mais no assunto. No fundo que a situação fique resolvida. Ora, o que acontece é precisamente o contrário. Ficamos anos à espera. Em Lisboa cerca de 4, 5 ou até mais. Mas o pior é quando ganhamos. Quando acreditamos que foi feita justiça, a sentença não é cumprida e temos de a executar. Ou seja, começar tudo outra vez até perceber que o caloteiro esvaziou os bolsos e desfez o património. Que vamos ficar a arder. Este é o principal problema da nossa justiça e para o resolver não é necessário qualquer Pacto. Tão só uma estruturação na forma como funcionam os tribunais. Ora, é precisamente a maneira como o trabalho está organizado nos tribunais cíveis, principalmente os de primeira instância, que não está prevista no Pacto.
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No que concerne à segunda afirmação, a questão é ainda mais importante pois o que está em causa é a própria natureza da democracia. Ao contrário do que em Portugal se gosta fazer crer, a democracia não pressupõe consensos, nem o estarmos todos contentes. Apenas que o combate ideológico e político seja feito de forma ordeira e que se respeite a vontade da maioria até nova eleição. Querer tirar a discussão política do conceito de democracia é o mesmo que a ferir de morte. É tirar-lhe o sentido. Assim, um democrata não é, necessariamente, aquele que conversa com a oposição, mas o que cumpre o programa político que apresentou ao eleitorado e que este, maioritariamente, escolheu. Dir-se-á que desta forma nunca se fazem reformas. Tal não é verdade, pois é precisamente assim que as mudanças se operam. Quando um político acredita no que diz, aplica as suas medidas e apresenta resultados positivos, ele não está apenas a convencer o eleitorado. Está, também, a forçar a oposição a rever as suas ideias. Está a forçá-la a inovar. É a este combate político que, numa democracia, se chama diálogo. Ora, quando os políticos tentam aplacar os seus adversários dando-lhes a mão, mais não fazem que retirar o brilho da troca de intenções. O debate morre e as ideias estagnam. O país não evolui e atrofia. A procura do consenso raramente é meritória, mas sim uma forma de governar em sossego. Sucede que quem deseja tranquilidade não vai para o governo, fica em casa e não procura sarilhos.
O pacto que cada cidadão deve fazer para com a democracia é, assim, o da eterna insatisfação. Porque o fim do consenso é o princípio da conversa.
por André Abrantes Amaral @ 9/20/2006 11:52:00 da manhã
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