19.9.06

Evitar o debate enviesado sobre o aborto

A discussão sobre o aborto tem ainda uma outra particularidade. A desqualificação faz-se pela tensão entre os que são dotados de uma dada "humanidade", porque atendem à "realidade", e os "dogmáticos", sendo que uma posição que tenha presente valores e princípios parte desde logo em desvantagem, com um handicap. Curioso é também um certo posicionamento, de pessoas que em relação à generalidade das matérias cuidam bem do plano dos princípios, mas que neste ponto - e com toda a legitimidade - preferem fundamentar-se (e render-se) apenas na leitura da "realidade".

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Faz sentido que, numa época em que o planeamento familiar é amplamente eficaz, havendo crianças - vivas - que nos hospitais não têm os tratamentos necessários por ausência de verbas, se canalizem recursos para práticas de aborto a pedido?

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É mesmo verdade que um embrião faz parte do património da mulher, ou é já ele um corpo autónomo? O que a mulher faz com o seu corpo deve limitar-se à forma como vive a sua sexualidade, que é livre, mas que tem associada a possibilidade de ser mãe? Ou preferimos dar às mulheres a alternativa de, num dado período temporal, poder ela própria decidir sobre a viabilidade de um feto? E pode a mulher ser soberana nesta decisão?

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Todas estas questões não são lineares, e merecem uma séria e honesta discussão. Mas importa resistir à tentação fácil de argumentar com base em chavões e rótulos que estão totalmente ultrapassados, e que fazem parte do património de um Portugal antigo. Eu, da minha parte, vou ter o gosto de participar no debate, mas não me vou deixar enredar por uma espécie de complexo moral ou religioso, que vise desqualificar as minhas posições.