28.9.06

Ah ele é isso? I

Pelo que tenho lido nas últimas semanas, alguém convenceu a generalidade das pessoas (algumas inteligentes) que a empresarialidade é uma questão de conhecimento científico ou técnico (1). Ou seja, que a razão por que temos maus empresários em Portugal é a falta de formação destes. Não faço ideia onde foram buscar tão peregrina concepção de “empresário”, bom ou mau. Deviam saber, que o conhecimento científico (ou técnico) é importante apenas para ajudar a reorganizar, enquadrar e sistematizar outro tipo de conhecimento e características que não dependem da formação académica. Seria aliás interessante indagar quantas pessoas com formação trabalham em empresas criadas por tais ignorantes.###
Para criar uma empresa, existem tantas motivações como empresas. O primeiro passo para ser-se empresário (bom ou mau) é a motivação, que diz respeito exclusivamente a cada um, porque a empresa não passa de um meio para atingir um fim (2)individual. Há ambientes e condições que são propícias a iniciativas empresariais, como as crises económicas com a falta de emprego, o ambiente jurídico e fiscal, as revoluções tecnológicas e industriais, a liberdade económica, etc. Tenho para mim que, para o indivíduo, o desespero é um fortíssimo factor de motivação e é provavelmente por isso que pessoas que não encontram emprego se lançam nos negócios. Imagine-se o leitor sem hipótese de arranjar emprego. Resta-lhe uma e só uma solução: avaliar o que sabe fazer e fazê-lo. Seja canalizador, engenheiro, advogado ou trolha. Cria o seu próprio emprego e depois, e só depois, descobre o seu próprio limite. Pode criar uma multinacional de serviços de canalização, ficar-se por projectos de engenharia de vivendas ou vice-versa. Não é o “conhecimento científico” que o irá determinar, são outras características e/ou situações. Um empresário, “bom” ou “mau”, precisa de cinco características e uma situação:
1 - Instinto (awareness);
2 - Humildade;
3 - Imaginação (no sentido da criatividade empresarial, que é diferente da criatividade artística, por exemplo);
4 - Saber as quatro operações aritméticas;
5 - Ser bom nas relações humanas;
6 - Oportunidade.

O instinto, a percepção do que acontece, é o que determina o aproveitamento da oportunidade, a aplicação da imaginação, o cálculo dos resultados e as relações com os outros (amor/ódio, empatia/repúdio, compensação e reconhecimento). O instinto (awareness) é a mais básica das qualidades, que ou se tem ou não se tem e a humildade pode aprender-se (é difícil) à própria custa, com dor e frustração. A imaginação não se compra nem se aprende, é inata e precisa de ser desenvolvida e afinada com muito trabalho, “lata” e risco, no sentido em que não se pode ter medo de fazer, dizer ou cometer asneiras. A aritmética básica não exige uma licenciatura e é o suficiente para perceber o necessário que são as contas de merceeiro. Entra X, sai Y, o saldo é Z. As relações humanas decorrem do instinto (awareness), da humildade e da disponibilidade para ouvir e aprender.
Há também este mito romântico do “bom empresário” que não gosta de perder nem a feijões, do olho por olho, dente por dente, do dog eat dog, que se desfaz na conquista guerreira dos mercados, etc. Não é assim e por muita retórica indignada que haja, por muitas reedições de Sun-Tzu, Maquiavel e Clausewitz que se vendam, o empresário sabe quando perde num negócio porque o adversário foi melhor e nesse caso aprende, evolui e na próxima oportunidade pode perder por todas as razões mas não pelas mesmas. A derrota é a melhor das motivações e o mais perfeito manual de gestão. O “bom empresário” sabe melhor que ninguém o que lhe convém e actua em conformidade, sabe que não pode parar e avalia riscos, mercados, competências e capacidades e dedica-se a fundo àquilo em que é melhor, o que nem sempre passa por conquistar novos mercados para os mesmos produtos. Pode ser consolidar, fazer crescer, criar produtos, necessidades e ideias.
Nada disto exige formação específica nem escolas de gestão. Esse é o passo seguinte que não é determinante e mesmo somado às condições aqui expostas não é suficiente para fazer uma boa empresa. Longe disso.
(continua)

(1)

…existe o risco de se ignorar completamente o conteúdo específico do conhecimento prático, como tão correctamente criticou Oakeshott, para quem oracionalismo, na sua versão mais perigosa, exagerada e errónea, consistia precisamente em acreditar “que o que se denominou conhecimento prático não é sequer conhecimento, ou seja, que no seu sentido mais próprio não existe mais nenhum conhecimento para além do conhecimento técnico".
Jesús Huerta de Soto em A Escola Austríaca, Mercado e Criatividade Empresarial (tradução de André Azevedo Alves), pág 77.

(2) Quando perguntaram a Warren Buffet o que o fazia mexer enquanto empresário, respondeu que era o prazer de ver o dinheiro a acumular-se, John Kay em The Truth About Markets .