Segurança Social: o mito dos custos de transição
Aqui fica o meu artigo publicado na Dia D de 14 de Agosto.
O mito dos custos de transição
A implementação da recente proposta de reforma da Segurança Social apresentada pelo PSD, que prevê a criação de um modelo misto em que parte das contribuições seria dirigida para contas individuais de capitalização, seria um importante passo no sentido de uma solução verdadeiramente sustentável e transparente. O carácter misto do sistema seria garantido pela combinação de uma componente fixa da pensão de reforma – garantida a todos os trabalhadores – com uma componente variável dependente da capitalização da conta individual de cada trabalhador. Convém recordar que, no âmbito do modelo actualmente em vigor, o ónus recai integralmente sobre os mais jovens, que são forçados a financiar com as suas contribuições obrigatórias as reformas devidas aos actuais pensionistas. Simultaneamente, a actual geração de trabalhadores activos não dispõe de qualquer garantia relativamente às suas pensões futuras, já que as suas contribuições não são capitalizadas para esse fim. Contrariamente às alterações introduzidas pelo governo socialista (que mais não possibilitam do que adiar por alguns anos a ruptura financeira do sistema), a criação de um pilar de capitalização individual permitiria assim evitar, ainda que de forma parcial, os problemas intrínsecos do actual modelo de repartição. Só um modelo de Segurança Social assente na capitalização pode ser verdadeiramente sustentável, acautelando o futuro e acabando com as cíclicas alterações na fórmula de cálculo das pensões.###
Infelizmente, o actual Primeiro-Ministro preferiu privilegiar uma visão populista e de curto prazo em detrimento da construção de um consenso alargado com vista a começar a resolver os problemas estruturais da Segurança Social. A crítica de Sócrates centrou-se no argumento, aparentemente intuitivo, de que a transição para um modelo parcialmente assente na capitalização acarretaria um forte aumento da dívida pública por criar um novo défice durante o período de transição. No entanto, apesar de intuitiva, esta crítica é, na sua essência, insustentável – pela simples razão de que a proposta apresentada por Marques Mendes não acarreta nenhum aumento real da dívida pública.
O argumento dos alegados «custos de transição» é frequentemente avançado para criticar a alteração para um sistema de capitalização porque a mudança implicaria de facto uma redução das receitas do regime de repartição. É no entanto falso que a transição implique um aumento da dívida pública real, a menos que se defenda que o Estado não tem qualquer obrigação concreta de pagamento de pensões para com os trabalhadores que financiam o sistema com as suas contribuições. Se admitirmos que os descontos efectuados pelos trabalhadores no activo geram uma obrigação por parte do Estado no sentido de pagar pensões de reforma, os passivos em causa já existem, ainda que não sejam reconhecidos nas contas públicas. Esses passivos, tais como as restantes obrigações do Estado, terão de ser pagos recorrendo a impostos, dívida pública ou redução de outras despesas.
Assim, a menos que o actual governo socialista entenda que as obrigações assumidas pelo Estado não são para cumprir (caso em que deveria anunciar publicamente de forma explícita que o Estado não tenciona honrar os seus compromissos com os contribuintes que são hoje forçados a sustentar o sistema de Segurança Social), a proposta apresentada pelo líder do PSD não pode ser criticada por fazer aumentar a dívida pública. Qualquer transição para um regime de capitalização não aumenta a dívida pública real uma vez que se trata apenas do reconhecimento de passivos já existentes mas não contabilizados. Ao reconhecer esses passivos e caminhar no sentido de um regime assente na capitalização o Estado promoveria verdadeiramente não só a sustentabilidade e transparência da Segurança Social mas também uma situação socialmente mais responsável e com maior justiça intergeracional.
por André Azevedo Alves @ 8/15/2006 01:37:00 da manhã
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