Os sinos dobram por nós
Sinais de irracionalidade
Syngman Rhee, primeiro presidente da Coreia do Sul, embora dependente da ajuda norte-americana, nunca se submeteu à total vontade de Washington. Pelo contrário, enquanto Truman e Acheson aceitavam, como um mal menor, a divisão da Coreia, Rhee tudo fez para unificar o país. Este exemplo é importante e ajuda a perceber a complexa realidade que é a região Ásia-Pacífico.
Há pouco mais de um mês, a Coreia do Norte testou o lançamento de uns mísseis e colocou a região em polvorosa. Melhor: numa enorme confusão. Se o Japão pretende a adopção de medidas duras contra o regime de Kim Jong-il, já a Coreia do Sul e a China pedem um pouco mais de paciência. Os EUA sempre precisaram da Coreia do Sul para fortalecer o Japão, mas estes últimos nunca se entenderam bem e só a ameaça da ditadura comunista os impediu do afastamento natural. Agora, as coisas podem ser diferentes. Senão, vejamos.
De acordo com o International Herald Tribune, do passado dia 11 de Agosto, a Coreia do Sul iniciou negociações com os EUA para assumir o controlo de todas as forças militares estacionadas no seu país. No entender de Roh Moo-hyun, actual presidente deste país, já nada justifica a entrega de tanta responsabilidade ao aliado americano, principalmente quando este é um grande amigo do Japão. Quando a Coreia do Sul teme mais a democracia japonesa que a tirania praticada a norte (e sustentada pela China), podemos facilmente concluir que algo não vai bem por aqueles lados.
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A razão de tudo isto prende-se com as recordações da história onde o Japão deixou marcas profundas. Depois da II Guerra Mundial, estes dois países decidiram cooperar com os EUA (e em certa medida entre eles). No entanto, como bem nos recorda Robert Keohane, um dos dilemas da cooperação é precisamente o das partes se afastarem quando as coisas começam a correr bem. O que hoje temos é uma espiral de desconfiança a nascer no Extremo Oriente. Primeiro com mal-entendidos, como o da visita de Junichiro Koizumi ao santuário xintoísta de Yasukuni para homenagear os mortos da segunda grande guerra. Depois, como já está a suceder, esses mal-entendidos passam a fazer parte do real e não há meio de lhes fugir.
Os primeiros sinais de irracionalidade estão, aliás, bem mais à mostra do que possamos pensar. No meio de tanta desconfiança que a Coreia do Sul tem do Japão e da maior vontade em se afastar dos EUA, a ameaça vinda do norte não os parece assustar. Dir-se-á que os tempos são outros e as ditaduras comunistas já não incomodam ninguém. Vamos condescender neste ponto e centrar-nos noutra realidade: Que a importância da Coreia do Norte para a China é estratégica e, da mesma forma que a China maoísta enviou tropas para aquela península em Outubro de 1950, também poderá fazer agora para impedir o aparecimento de uma democracia nas suas fronteiras. Uma Coreia unificada, democrática e de cariz liberal, lado a lado com o Estado chinês, que tudo esconde e controla, dará azo a mais desconfiança e a um crescendo da tensão a que temos vindo a assistir. Ora, se a China não o vai permitir, em que se baseiam as esperanças dos sul-coreanos na desejada unificação? São estes os sinais de irracionalidade que temos encontrado na região. Indícios de tal maneira preocupantes que, enquanto o mundo anda a coçar cabeça com o Médio Oriente, bem que podia perder uns momentos para evitar agora o que pode ser uma grande desgraça futura. A região Ásia-Pacífico vive hoje aquilo porque passou a Europa no século XIX. Acontece que um conflito armado na Ásia será muito mais grave que a última grande guerra europeia.
por André Abrantes Amaral @ 8/23/2006 11:12:00 da manhã
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