Se
Ideias estreitas
Poucas coisas poderão irritar mais do que aqueles guias turísticos que anunciam sítios recônditos jamais visitados por alguém. Uma pessoa compra, digamos, o Rough Guide ou o Lonely Planet e lá aparecem as inevitáveis referências a “unspoilt spots” ou “pristine landscapes untouched by development” e coisas do género. Dado que o Rough Guide ou o Lonely Planet são consultados por milhões de pessoas, a partir do instante em que o “unspoilt spot” é por eles anunciado, logo o “spot” deixa imediatamente de ser “unspoilt”. Eu não falaria, portanto, de uma certa praia, não fora dar-se o caso de ter sido mencionada em grandes parangonas no Público de há dois dias atrás e logo pelas piores razões.
É uma praia da ilha dita de Tavira. Chama-se Terra Estreita e caracteriza-se pelo facto de lá ir muito pouca gente, pelo menos em Setembro, quando eu lá faço férias. Não porque a praia seja má. Pelo contrário, é óptima. Mas porque a malta, com o seu apurado sentido gregário, prefere empilhar-se na praia ao lado, chamada do Barril.###
Para se lá ir, vai-se a Santa Margarida, entra-se no barquinho, que faz uma bela passeata pela ria, chega-se a um passadiço de madeira e faz-se um caminho ainda um pouco longo até chegar propriamente à praia. Nos últimos anos, a frequência tinha começado a aumentar. Nomeadamente, por causa de um belo hotel de luxo construído nas Quatro Águas, que trazia os seus clientes de barco para usar a Terra Estreita como uma espécie de praia privada. Mas nada de excessivo.
Pois agora a Terra Estreita acabou. A praia foi concessionada a uma empresa que ali vai desenvolver um “conceito” a que chamou “Experience Beach” (eh lá!). O director da empresa tratou de explicar que “vai ser uma praia zen mas não uma praia VIP” (porra!).
Vai haver cocktails exóticos, massagens, servidos depois de uma “chamada telefónica”. À tarde, vai haver jazz e cinema na praia. Citando o Público: “como o lugar é considerado um ‘santuário da natureza’, a empresa oferece também um conjunto de terapias destinadas a proporcionar o reequilíbrio das energias, seguindo métodos e técnicas orientais”. “Métodos e técnicas orientais…”, por amor de Deus.
Mas porque é que não deixam certas coisas em paz? Ainda por cima com estas palermices... Antes uma barraca a vender umas sardinhas e umas fêveras, acompanhadas de sangria e cerveja, do que a idiotice das “técnicas orientais” e dos “cocktails exóticos”.
Eu sei que é uma concessão. Mas concessionem-me a praia a mim, que eu junto-me com mais umas pessoas e pagamos para manter a coisa exactamente como estava. Assim é que era mesmo zen. E também não era VIP.
por Anónimo @ 7/14/2006 01:06:00 da tarde
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