A força do poder local está na democracia
O meu artigo, publicado ontem na revista Dia D, do jornal Público.
Portugal é um país engraçado. Pequeno, estreito, com uma enorme faixa litoral e sempre preocupado com a desertificação do interior. Até Cavaco Silva, na primeira vez que saiu de Belém, teve o cuidado de visitar o Alentejo vazio. Mas a piada vai ainda mais longe quando as próprias regiões do litoral se irritam com a centralização do poder em Lisboa. É na capital que está o problema e na capacidade de negociar com o governo que se encontra a virtude de qualquer político de província. Lentamente, esta espiral de disparates atingiu níveis assustadores e, pior que tudo, catastróficos.
A nova lei das finanças locais, apresentada há dias pelo ministro António Costa, tem o condão de mudar alguma coisa, mas o objectivo que deveria conduzir toda a reforma sobre os municípios exige que se vá mais longe. Que exista uma relação directa entre os munícipes e os autarcas. Que os primeiros escolham os últimos e que estes prestem contas àqueles.
Acreditando solucionar todos os problemas, o Estado central colocou o poder local sob a sua alçada. É Lisboa quem cobra receitas e as distribui pelo país. Aos autarcas cabe apenas negociar com o Terreiro do Paço e mostrar os frutos da sua influência ao povo da terra. Para isso, constroem mil e uma obras de proveito duvidoso, mas de vitória eleitoral assegurada, porque o seu custo real não foi pago pelos munícipes da terra, mas pelos cidadãos de todo o país. Este povoa-se com construções inúteis, o território desordena-se com tanto planeamento. Enquanto isso, os senhores de Lisboa dão a machadada final no municipalismo português, lembrando que qualquer descentralização do poder implica mais políticos como Valentim Loureiro e Fátima Felgueiras. Porque a democracia consiste na aproximação do poder aos cidadãos, é este círculo vicioso e cínico a que se tem de pôr cobro.
O que mina o poder local é a sua dependência directa de Lisboa. Ao não poderem cobrar os impostos directos, os autarcas não têm de prestar, aos seus eleitores, contas dos custos das suas políticas. Tão só de negociar as receitas com o poder central. O resultado é a desresponsabilização das autarquias. Se apenas apresentam obra, nunca pedem sacrifícios. Pelo contrário, o custo do que constroem é diluído nos impostos pagos por todos, principalmente por aqueles que nunca irão saber como foi aplicado o seu dinheiro. Ao receberem as receitas directamente do Estado central e não dos seus habitantes, os municípios são financiados pelos cidadãos do todo o país que não podem penalizar o mau uso do seu dinheiro por um autarca de outro município. Ou seja, um habitante de Faro, não penaliza Fátima Felgueiras pelo uso indevido dos dinheiros públicos. Está legitimado o regabofe. Qualquer autarca vai querer tirar aos outros o máximo que puder. É esta dependência de Lisboa que conduz a que os municípios se digladiem por uns míseros euros.
O conceito do poder local não está errado. O problema é ele não ser mais que uma delegação do Estado central. Um poder autárquico forte implica ser responsável. Deriva de um controlo eficaz por parte dos eleitores que consigam medir os prós e os contras do mandato dos seus eleitos. Que sintam no bolso o custo do que foi feito e possam retirar o poder a quem utilizou mal o seu dinheiro.
A nova lei das finanças locais permitirá às autarquias receber parte do IRS cobrado nos seus concelhos, sendo-lhes possível reduzi-lo até 3%. No entanto, este objectivo é curto. Ao Estado não cabe estimular a competitividade fiscal, mas sim a defesa de democracia o que, neste particular, passa pela aproximação dos cidadãos às autarquias.
O país não precisa de ser divido em regiões e descentralizado por inúmeros institutos. O que lhe falta é aprofundar a democracia e ela passa por permitir escolher quem nos cobra impostos. A democracia implica responsabilizar tanto os eleitos como os eleitores. Tudo o que fuja a este esquema conduz à corrupção e ao descontrole de quem manda.
por André Abrantes Amaral @ 7/04/2006 10:50:00 da manhã
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