Barril de crude a 100 dólares?
A recente subida do preço do petróleo voltou a colocar no centro das atenções mediáticas os profetas da catástrofe energética. A principal profecia: o barril de crude vai atingir, a curto prazo, os 100 dólares.
Tal preço é, fundamentalmente, um valor psicológico. Quanto mais próximo dele, maior o pânico global.
Há que, no entanto, para bem do stress da maioria da população, explicar um importante fenómeno económico: a inflação. Só assim poder-se-á entender porque os designados “recordes históricos” do preço do barril de petróleo não provocaram ainda efeitos depressivos semelhantes aos das décadas de 70 e 80.###
É usual economistas pé-de-chinelo referirem nos principais órgãos de comunicação social que a subida do preço do crude é consequência directa da instabilidade geopolítica nas regiões “produtoras” de petróleo (que pode afectar a quantidade oferecida no futuro) e da crescente procura por parte de países em rápido desenvolvimento (como a China e Índia). Por outras palavras, é a lei da oferta e da procura!
O que tais profissionais nunca explicam (talvez por ignorância) é a razão pela qual o volume da procura de crude ser, aparentemente, indiferente à evolução do preço – por outras palavras, apesar de, nos últimos dois anos, o preço do petróleo ter duplicado, nenhuma recessão económica entretanto se verificou.
Existem alguns bens em que o aumento do seu preço pouco afecta o nível de procura (ex: tabaco) tendo, contudo, efeitos negativos sobre o rendimento disponível dos consumidores e, consequentemente, do volume de consumo de outros produtos. O petróleo parece pertencer à primeira categoria mas, dada a elevada relevância deste no processo produtivo de um vasto número de bens e serviços, a sua procura está directamente dependente do nível de consumo de tais produtos que, por sua vez, está limitado ao rendimento disponível dos consumidores. Traduzindo, e como os meus progenitores costumavam dizer-me durante a adolescência, “o dinheiro não nasce nas árvores”…
Porém, o consumo em determinado momento não se restringe ao rendimento produzido nesse período. Um mercado de capitais moderno possibilita diferir no tempo o nível de consumo: quem prefere maior consumo no futuro recorre à poupança e quem tem preferência por consumo presente pode aceder ao crédito.
Ora, dado que as actuais taxas de juro se encontram em patamares considerados “baixos”, o mercado parece incentivar o consumo presente. Mas há um problema: as taxas de juro em vigor no mercado não dependem das preferências temporais dos consumidores mas, sim, das políticas monetárias dos bancos centrais que, deste modo, controlam a massa monetária em circulação e, consequentemente, o nível de consumo das populações. Afinal os meus pais estavam errados: visto que o volume de notas em circulação é papel impresso à discrição do banco central, é seguro dizer-se que o dinheiro nasce mesmo nas árvores!!!
Mas se o volume de dinheiro impresso parece não ter limites, os produtos que, com ele, se pretende adquirir são, no entanto, escassos. O crescimento económico em termos nominais é, assim, subdivido em crescimento real e crescimento inflacionário (mais notas para gastar provoca o aumento nominal dos preços: inflação).
A inflação é, portanto, a razão porque não se pode comparar os preços nominais do barril de petróleo (ou de qualquer outro produto) entre os dias de hoje e as décadas de 70 e 80. Logo, caro leitores, devo avisar que os referidos profetas até podem vir a acertar nas suas previsões em relação ao preço do crude chegar aos 100 dólares por barril. Mas tal valor seria consequência da política monetária dos Estados e não de qualquer fenómeno económico real.
Os bancos centrais têm, contudo, uma curiosa missão: controlar o crescimento do nível geral de preços (a inflação) cuja causa é, afinal, resultado das suas políticas de “crescimento” económico – esta relação não é, por razões óbvias, admitida publicamente pelas referidas entidades. Quer isto dizer que, por exemplo, o nível de consumo dos endividados americanos é afectado cada vez que a Reserva Federal decide subir a sua taxa de juro. O que se tem verificado nos últimos dois anos…
Concluindo, estando o “crescimento” económico da China e Índia dependentes, essencialmente, do rendimento disponível dos consumidores americanos e europeus é provável que, a médio prazo, ocorra um efeito de “bola de neve” que resulte numa redução da procura de petróleo e, consequentemente, na descida do seu preço. Claro que, nessa altura, as culpas duma eventual recessão serão exclusivamente atribuídas à instabilidade geopolítica no Médio Oriente e crescimento desenfreado de economias emergentes…
por BrainstormZ @ 7/24/2006 11:03:00 da manhã
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