8.3.06

Pontos de Fuga

O actual Serviço Nacional de Saúde (SNS) nas exclusivas ou determinantes mãos do Estado baseia-se no texto constitucional, como é evidente. Mas o texto constitucional assenta essencialmente em 5 premissas, que me parecem desprovidas de grande utilidade para os tempos que correm e para o objectivo de tornar o acesso de cada um à saúde mais fácil, mais eficiente e, sobretudo, mais útil. De nada vale um SNS construído nas melhores intenções se nada de útil os utentes dele puderem tirar. Gostaria de brevemente partilhar convosco o que penso sobre cada uma delas.

1) Só um SNS de forte ou total pendor estatal garante um acesso universal
Não é preciso muito para desmentir esta premissa. Basta olhar em volta e logo nos escancaramos com a triste realidade: milhares de pessoas esperam semanas e meses (anos?) para um consulta, uma operação, um diagnóstico, algumas delas morrendo entretanto, ou desesperando ao frio e à chuva, noite dentro, às portas do centro de saúde para ser o primeiro a chegar. Isto é tudo menos um sistema universal, porque para o ser teria de permitir o acesso de todos, a tempo útil e com o menor dispêndio de esforços do utente possível.

2) O SNS, porque não está vocacionado para o lucro, presta cuidados a todos e não privilegia os ricos
Importa também começar por olhar para actual sistema. Se há sistema que desfavorece os mais pobres e que mais precisam é, precisamente, este. Porque são os mais pobres que não têm conhecimentos para conseguirem as cunhas necessárias para furar as ineficiências do sistema, são eles que não têm dinheiro para aderir aos esquemas de saúde privados ou para aceder a meios privados de prestação de cuidados de saúde, muito menos podendo aceder aos serviços públicos ou privados que existem na União Europeia. Por outro lado, a asserção de que com um SNS nas mãos dos privados só os ricos teriam possibilidade de aceder ao sistema é desmentida pelas centenas de actividades totalmente privatizadas e que oferecem produtos de acesso geral e universal, consumidos por todos, muitos deles com elevadas exigências de qualidade.
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3) O SNS, também porque não está vocacionado para o lucro, preocupa-se muito mais com a qualidade dos serviços
É absolutamente ilógico que um sistema fechado, protegendo quem está e impedindo quem chega, totalmente dominado por um único agente que põe e dispõe sem consequências que não o aumento do défice possa ser um sistema dinâmico, aberto à inovação e ao constante aperfeiçoamento. Um sistema que impede ou inviabiliza a entrada de novos prestadores abre-se, isso sim, ao imobilismo, do parasitismo e à estagnação. Um sistema que não assente na liberdade de escolha do utente, em que a oferta não necessita de seduzir a procura, nem de aperfeiçoar a qualidade para a garantir, não pode senão favorecer o laxismo, a má e irresponsável gestão e a indiferença. Um sistema sem competição e sem liberdade de escolha, ou seja, um sistema sem desenvolvimento de um mercado, expulsa o utente do papel de actor chave dos fenómenos sociais e todo o sistema passa a ser gizado para a manutenção do estado de coisas e para a satisfação das necessidades individuais do sistema.

4) O SNS é gratuito
O SNS não é gratuito e alimenta-se dos impostos de todos, mesmo dos que não recorrem aos seus serviços. E a voracidade fiscal demonstra, antes pelo contrário, que o SNS, como outros, é caro e mal gerido. Um sistema não assente na contratualização entre financiadores e prestadores de serviços como instrumento de definição de funções, de atribuição de responsabilidades e partilha de riscos degenera rapidamente num sistema irresponsável, que não presta contas a ninguém, que se enreda em burocracias e não se obriga a resultados. Por outro lado, a intervenção estadual na fixação de preços na área da saúde, endivida o estado, torna-o refém de poderosos grupos de interesse e obriga os produtores a reduzir a qualidade para economizar nos custos.

Não sendo gratuito, o SNS é supostamente alimentado pelos nossos impostos, cada vez mais altos e mais vorazes, restringindo liberdade económica e de escolha dos utentes. Mas dos nossos impostos qual é, verdadeiramente, a percentagem que se destina a prover condições de acesso e melhorias de prestação de serviços aos que mais precisam?

5) O SNS é o único que trata dos mais doentes e mais pobres porque são os mais dispendiosos
Este é o problema da selecção adversa, que existe e deve ser ponderado na redefinição do sistema. Mas é um problema para o qual existem soluções, há muito estudadas. Se há coisa para a qual o Estado tem função é precisamente para a criação de um sistema de contratualizações, de incentivos e de mecanismos que se destine precisamente a partilhar os riscos da selecção adversa.