O Rapto da Europa
Foi recentemente anunciado por Durão Barroso a criação de um “Fundo Para Ajustamentos à Globalização”. Com um orçamento previsto de 500 milhões de Euros por ano, este destina-se a financiar a requalificação e subsidiar os trabalhadores que tenham perdido o seu local de trabalho devido a “ajustamentos derivados do comércio”.
Embora a proposta da Comissão contemple a deslocalização de unidades de produção para países terceiros, é omissa nas intra-comunitárias e não é claro que se aplique a empresas que encerrem devido à perda de competitividade resultante da abertura dos mercados europeus.###
Ao anunciar este programa, Durão Barroso alegou querer aprofundar a “Europa Social”. Os verdadeiros motivos parecem, no entanto, ser outros. Os principais beneficiários serão, sem sombra de dúvidas, os países da “velha Europa” uma vez que têm sido estes os principais “atingidos” pela deslocalização de unidades produtivas. São também os países da “velha Europa” os que mais têm levantado dificuldades à aprovação do Orçamento Comunitário. Estes têm-se oposto ao aumento das contribuições nacionais, proposto pela Comissão, para fazer face aos custos do recente alargamento. Alegam que o aumento das despesas derivadas do welfare state em conjunto com a imposição da redução dos défices públicos (e da dificuldade em aumentar as receitas fiscais na actual conjuntura) impossibilita o aumento das contribuições e aconselha inclusivamente a sua redução. É claro que a prevista “migração” dos fundos comunitários para os novos países-membros será porventura a principal razão da sua oposição. A proposta da Comissão pode ser vista como uma tentativa minimizar este efeito.
Convém também não esquecer que a derrota, em França, do referendo sobre o projecto constitucional ficou a dever-se, em grande parte à oposição dos movimentos alter-globalistas que acusam (quanto a mim sem fundamento) a EU de uma deriva “neo-liberal”. A Comissão procura assim aplacar a fúria dos que a acusam de estar a destruir o “modelo social europeu” e a render-se à globalização. Como seria de esperar a proposta foi bem aceite por parte destes. Consideram que esta dá (pelo menos em parte) razão às suas reivindicações. Porém, consideram insuficientes os fundos que lhe estão consignados e os acham demasiado apertados os critérios de elegibilidade.
Da parte dos que defendem a abertura dos mercados, a proposta também já foi alvo de críticas, nomeadamente por ignorar que a verdadeira solução está em liberalizar os mercados europeus. Não deixando de concordar com esta objecção (e tendo poucas dúvidas da aprovação desta medida), quanto a mim o maior perigo é o da Comissão sucumbir às pressões para alargar o âmbito e os fundos do programa. É um cenário perfeitamente concebível e no que respeita ao alargamento do âmbito são muitas as exigências que os estados membros e os alter-globalistas podem fazer. A UE corre o risco de estar a criar uma “segunda PAC”. A original, relembro, consome metade do Orçamento Comunitário e é uma inesgotável fonte de ineficiências, injustiças e fraudes.
por Miguel Noronha @ 3/07/2006 08:25:00 da manhã
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