9.2.06

Leitura recomendada

Independentemente das consequências últimas que venha a ter o caso dos cartoons de Maomé, dele restará mais uma pequena morte do chamado Ocidente. Haverá poucas coisas que melhor o definam do que a liberdade de expressão e a separação entre a opinião pública e o Estado. Quando quadrilhas de radicais islamitas, orquestradas por Estados autocráticos, fizeram um chinfrim disparatado a propósito dos cartoons, era de esperar que o Ocidente se unisse na afirmação daqueles princípios. Que asseverasse a sua especificidade cultural, dizendo claramente se vos ofende a representação gráfica do profeta, a nós ofende-nos a limitação da liberdade de o fazer. Ofende-nos que um governo tenha de pedir desculpa pelas opiniões expressas por um cidadão privado num jornal. A reacção inicial do primeiro-ministro da Dinamarca foi a correcta e bastava que o dito Ocidente a secundasse com naturalidade para pôr ponto final na conversa. Quando governos de países muçulmanos lhe pediram que o Governo dinamarquês se retractasse pelos cartoons, Andreas Fogh Rasmussen explicou que não era responsável pela opinião de um jornalista. Todos nós, ocidentais, passamos o tempo a cruzar-nos com mensagens que consideramos ofensivas, mas aceitamo-las, em nome de algo que consideramos superior a liberdade de outrem emiti-las. Até porque é ela que nos permite fazer o mesmo, ainda que seja de forma involuntária.


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Agora, muitos dos mesmos que tanto se deleitam a insultar o cristianismo à sombra da liberdade de expressão, descobriram a "sensibilidade cultural" do islamismo.

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A pretexto dos cartoons destruíram-se embaixadas inteiras, ou seja, países foram fisicamente atacados, mas muita gente continua a assegurar-nos que é preciso "compreendê-los". E quando, exactamente, é que o Islão terá de nos "compreender" a nós?

A triste conclusão é que, provavelmente, o Islão não tem nada que nos "compreender" a nós porque a cada dia que passa nós vamos existindo um pouco menos. Quem vê as torres gémeas cair e os comboios de Madrid a arder e continua a pregar a "compreensão" do outro não é, obviamente, merecedor de qualquer respeito. O ódio de tantos ocidentais à civilização a que pertencem é um dos fenómenos mais fascinantes e deprimentes do mundo de hoje. São esses os ocidentais que passam o tempo a recensear horrores no Ocidente, ao mesmo tempo que "compreendem" os horrores alheios, em nome da sua "especificidade" cultural. São eles que nunca encontram nenhuma razão para o Ocidente se defender de insultos e ataques. São eles que consideram Bush e os EUA os equivalentes actuais do nazismo (sem exagero basta lembrar o nosso ministro dos Negócios Estrangeiros, as bandeiras americanas com as cruzes gamadas ou Bush com o respectivo bigodinho alusivo), mas parecem achar normais as regurgitações iranianas sobre o Holocausto. São eles que consideram Guantánamo a maior vergonha da humanidade (o "novo gulag", na imortal definição da Amnistia Internacional), mas encolhem os ombros aos 300 mil mortos do regime de Saddam.

O mais interessante disto tudo é que são mesmo capazes de ter razão. Se uma civilização não gera os instintos necessários para sobreviver, é porque não merece sobreviver. Se são eles que preferem não se defender a si próprios, porque razão haverá alguém de os defender a eles?