Tratar os efeitos em vez da causa
O PS e o PSD anunciaram que vão apresentar uma proposta que " visa impedir que os cidadãos a contas com a justiça se candidatem as autarquias".
Este súbito assomo moralista apenas se entende devido ao sucedido nas últimas autárquicas. Ambos os partidos perderam eleições para candidatos que foram impedidos de concorrer nas suas listas devido aos processos judiciais em que se encontravam envolvidos. Tenho muitas dúvidas que se o resultado eleitoral tivesse sido outro esta proposta alguma vez seria apresentada.###
Independentemente do que possamos pensar sobre os "candidatos-bandidos", ser arguido num processo não implica automaticamente que as acusações estejam provadas. Com esta proposta de lei, o poder político pretende substituir-se ao poder judicial. Tal representa uma clara violação do Estado de Direito.
Melhor seria que se procedesse a uma efectiva reforma do Sistema Judicial que permitisse aumentar a celeridade dos processos por forma a impedir que estes se prolonguem ad eternum até à prescrição. Relembro que a morosidade da Justiça já foi diversas vezes apontada como um dos maiores problemas do país. Os sucessivos governos têm preferido focar a sua atenção em obras mais vistosas...
Aproveito também para relembrar que a perpetuação de muitas das práticas de que são acusados os "candidatos-bandidos" se devem ao actual sistema de financiamento das autarquias. A maior parte das receitas do poder local é proveniente de transferências da administração central e que, com poucas excepções (como o caso do IMI - que mesmo assim só afecta quem transacciona imóveis), os impostos municipais apenas incidem sobre empresas e não sobre os munícipes. Desta forma a sobre-facturação em obras ou fornecimentos e outros desvios de fundos (para financiar clubes de futebol ou moradias dos próprios autarcas) não afectam directamente os eleitores. Desde que se vá fazendo obra e (principalmente) o clube da territa esteja a fazer um "bom campeonato" o presidente até pode ser considerado um "autarca-modelo". Como há tempos referia o FCG, não nos importamos que ele roube para si desde roube também (qualquer coisita) para nós.
A municipalição dos impostos (nomeadamente a possibilidade de os municípios fixarem as taxas a cobrar) permitiria clarificar nos munícipes o custo da "obra feita" e outras fantasias dos "autarcas-modelo".
Em suma, penso que esta proposta do Bloco Central pretende tratar os sintomas e não as causa doença. Acredito que eles saibam disso. Estou em crer que este medida se enquadre num conjunto mais amplo de decretos-lei que visem dificultar o concorrência de candidaturas independentes às autarquias. Algo que o establishment não pode permitir.
por Miguel Noronha @ 12/15/2005 12:41:00 da tarde
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