26.12.05

Fatos científicos?

"A revista Science proclamou na quinta-feira que a evolução é o fato científico de 2005.
(...)
Outros fatos destacados na lista dos dez mais incluem a exploração planetária, a biologia molecular das flores, o comportamento violento dos nêutrons estelares, a relação entre genética e comportamento humano anormal, o novo campo da cosmoquímica, as novas evidências sobre o aquecimento global, uma abordagem da engenharia à biologia molecular e a supercondutividade."

(Reuters via MSN)

E o que viria a ser um "fato" científico? Do mesmo artigo, destaco ainda o trecho:
"(...) um dos fatores importantes de reconhecimento para a ciência e as idéias científicas é a noção de testabilidade, de que você pode fazer uma experiência, aprender com ela e mudar de idéia."

A Teoria da Evolução é uma teoria científica, assim como a Supercondutividade é outra teoria científica. Mas há uma diferença entre a Supercondutividade e a Teoria da Evolução: na primeira, testes rigorosos podem ser realizados e repetidos em laboratórios. O Efeito Josephson, por exemplo, observado pela primeira vez em 1963, pode ser reproduzido e é um dos "pilares", por assim dizer, da teoria. Já no caso da Teoria da Evolução, a metodologia de pesquisa é diferente. Utilizam-se métodos estatísticos, refinam-se dados, aprimoram-se as observações... todo esse arsenal fortalece a Teoria da Evolução, sem dúvida, mas não elimina o fato (e este sim é um fato!) de que ela se sustenta sobre o conceito matemático de aleatoriedade. Aliás, a Supercondutividade interpretada como um fenômeno quântico também é uma teoria científica construída sobre a aleatoriedade. E aqui aponto, além da diferença que acabo de descrever, uma semelhança interessante entre as duas teorias científicas: a fundamentação de ambas no conceito de aleatoriedade.

Teorias são teorias, teoremas são teoremas e fatos são fatos. Teorias são testáveis, teoremas são demonstráveis (a partir de postulados, axiomas ou outras ferramentas apriorísticas) e fatos são... aceitos pelas pessoas como verdades.

Ao classificar uma teoria científica como um fato, joga-se no lixo a noção de testabilidade e admite-se que a ciência pode produzir verdades definitivas, desvirtuando dessa maneira o próprio caráter da atividade científica.

Ah, sim, mas por que fiz tanta questão de frisar tantas vezes a palavra "aleatoriedade"? Porque é nesse ponto onde as teorias se encontram com os teoremas. A testabilidade, a iteração, a repetição das observações, os números extraídos das experiências realizadas nos laboratórios, enfim, tudo o que confere força estatística, por assim dizer, às teorias científicas que escolhi como exemplos, encontram sua fundamentação em conceitos matemáticos e em proposições que são demonstráveis, mas não testáveis.

Isso não desmerece nem um pouco o caráter científico da Teoria da Evolução e da Supercondutividade. Mas mostra que, quando mergulhamos até os fundamentos, aos limites e às fronteiras das teorias, um pouco mais de critério seria desejável antes de aceitarmos levianamente a classificação de teorias como se fossem fatos, já que o preço a pagar é alto. Existe o risco de, por exemplo, aceitarmos algumas teorias científicas sobre o aquecimento global como verdades absolutas, contribuindo dessa maneira para a politização vulgar da ciência.