12.10.05

Preconceitos do centralismo e o colapso do Estado de Direito

Houve nesta guerra santa contra os “arguidos” uma imensa hipocrisia. A campanha, mais do que de certezas judiciais, viveu dos preconceitos do centralismo iluminado contra o chamado “poder autárquico”. Em discursatas oficiais, é da praxe louvar o tal “poder” como um “pilar” da democracia. No comentário e na decisão política, pelo contrário, esse “poder” é invariavelmente tratado como o leproso do regime. Basta ouvir os nossos líderes falar da limitação de mandatos, das dívidas das autarquias, ou da degradação da paisagem. O que nos mostram é um país entregue a um feudalismo demagógico, em conluio com construtores civis e clubes de futebol. Tudo, obviamente, explicado pela boçalidade daquele género de povo que não costuma ir ao dentista e bate nos líderes nacionais dos partidos, quando estes os visitam em peregrinação justiceira. Vista de baixo, a democracia portuguesa consistiria apenas na exibição impúdica do “atraso” provinciano. Não seria melhor ficarmos todos às ordens da gente limpa e cosmopolita dos Ministérios de Lisboa? ###

No meio desta indignação centralista, muita coisa escapou. Ninguém, por exemplo, questionou um sistema político que esvazia os municípios de recursos e responsabilidades, empurrando os autarcas para o papel de agentes de “cunhas” em Lisboa, ou tribunos dos descamisados da periferia. Acima de tudo, pouca gente reparou na verdadeira explicação do fenómeno dos “candidatos arguidos”: um sistema judicial incapaz, há muito tempo, de incriminar ou de ilibar quem quer que seja.