A política e a economia do terrorismo
Um ataque terrorista como o ocorrido ontem em Londres tem efeitos económicos. Se esses efeitos económicos forem compreendidos e antecipados pelos terroristas, então poderão dar uma boa indicação sobre as suas intenções futuras.
As explosões de Londres prestam-se a uma de duas interpretações: um erro “táctico” dos terroristas islâmicos ou uma alteração da estratégia. Não acredito na primeira hipótese e a segunda é de tal modo preocupante que pasmo com a ligeireza circunstancial de algumas declarações políticas.
Não acredito na primeira hipótese. Os actos mais importantes da responsabilidade de terroristas islâmicos (Nova Iorque, Bali, Madrid, Londres) revelam um planeamento meticuloso, uma execução coordenada e precisa e uma escolha cuidadosa do momento em função da envolvente política. A segunda hipótese é extremamente preocupante porque aponta para a possibilidade de um futuro atentado de grandes dimensões.
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Objectivos
O terrorista islâmico apresenta alguns factores de risco específicos: uma percepção maniqueísta de envolvimento numa luta contra o “Mal”; imaginar que obedece a “ordens divinas”—o que anula a examinação moral dos actos de violência; acreditar que está “para além das leis seculares”—um dos principais objectivos é precisamente inviabilizar a organização social com base nos princípios do estado de direito; e um estado geral de dissociação social, onde a integração numa comunidade política é rejeitada a favor de visões de “purificação” e de um “apocalipse redentor.
Mas o terrorismo islâmico não é conceptualmente diferente doutros terrorismos. Em particular, as motivações não têm nada a ver com a pobreza, com a “desigualdade” económica, ou com o “ódio anti-americano”. O terrorismo islâmico surgiu em e é financiado por países com elevados níveis de rendimento médio, como a Arábia Saudita, mas que tendem a encarar o mecanismo de trocas económicas como um jogo de soma nula: a causa do seu insucesso relativo é atribuída ao sucesso relativo das economias mais desenvolvidas. O “descontentamento com o mercado” observável nos países islâmicos é semelhante a fenómenos históricos observados na Europa, especialmente desde a segunda metade do séc. XVIII em diante: reacções violentas contra a democracia liberal baseada na economia de mercado, normalmente associadas a um forte anti-semitismo.
Outra imagem inconsistente com a evidência empírica disponível é a caracterização dos jihadistas como predominantemente “incultos” ou mesmo analfabetos, o mito do terrorista enquanto “pobre diabo”. Pelo contrário, os jihadistas são sobretudo indivíduos com níveis de escolaridade e rendimentos médios ou elevados, dispostos a integrar uma contra-elite política e não têm uma motivação primordialmente religiosa: a religião funciona essencialmente como “cobertura ideológica”. Os objectivos são bem definidos e de natureza política. O objectivo fundamental do terrorismo islâmico é a restauração de uma estrutura social sustentadora de uma distribuição do poder político, interno e internacional, favorável aos patrocinadores da causa jihadista: a restauração do Califado e a aniquilação do estado de Israel.
Estratégia
A estratégia do terrorismo islâmico obedece a um princípio fundamental: conseguir a maior perturbação possível, e, no limite, o colapso dos mercados económicos e financeiros, através do aumento do risco geoestratégico. É em função deste objectivo que os ataques de ontem devem ser analisados e as indicações são preocupantes. Para perceber porquê é preciso olhar para outro lado—em termos geográficos e em termos de mercados.
O terrorismo no Iraque não pretende apenas impedir uma vida civil normal: pretende também impedir o retomar da exploração e comercialização do petróleo iraquiano, de forma a evitar que este chegue em quantidades significativas aos mercados internacionais. Se tal acontecesse, haveria uma significativa expansão da oferta que tenderia a baixar o preço por barril. Até recentemente, o aumento drástico e permanente do preço do petróleo era um elemento essencial da estratégia do terrorismo jihadista. Esperavam desse modo provocar uma grave crise económica nas sociedades ocidentais. Em diversas ocasiões, Bin Laden (directamente e indirectamente) apelou ao ataque a instalações petrolíferas no Iraque e no restante Golfo Pérsico.
O risco geopolítico adiciona um prémio de risco ao preço do barril de petróleo. As estimativas são bastante divergentes, mas é perfeitamente possível que o prémio de risco seja de 15 dólares por barril. O aumento dos ataques terroristas a instalações petrolíferas podia fazer com que o preço do petróleo subisse substancialmente e num curto espaço de tempo: teríamos “picos de preço”, que poderiam atingir valores acima dos 100 dólares por barril se houvesse perturbações sérias de um dos maiores produtores. Bin Laden apontou diversas vezes para o valor “psicologicamente saliente” dos 100 dólares como o objectivo estratégico a atingir. Do ponto de vista logístico, preparar e executar um ataque a um pipeline ou a outras instalações petrolíferas não é mais difícil do que um ataque em Londres.
Mas não é isso que a Al Qaeda está a fazer. Ao atacar uma cidade como Londres, o efeito económico é, em larga medida o oposto: o aumento da percepção do risco desincentiva o consumo e o investimento e a redução da despesa agregada favorece a redução do preço do petróleo. O preço do barril de petróleo (para Agosto) no New York Mercantile Exchange baixou imediatamente mais de 4 dólares e só se reaproximou do valor recorde de 62 dólares por razões que nada têm a ver com os ataques terroristas.
Os ataques terroristas de ontem apontam para uma alteração de estratégia dos jihadistas,passando de uma estratégia concentrada no aumento do risco geopolítico do lado da oferta e portanto sectorialmente focada no mercado do petróleo, para uma estratégia de desestabilização global, eventualmente destinada a provocar uma recessão económica generalizada.
Futuro
Será um enorme erro se, uma vez mais, se subestimar a capacidade e a inteligência dos terroristas. O impacto das acções terroristas é tanto maior quanto mais frágeis forem as economias nacionais e maiores forem os problemas económicos globais. Os sinais de recessão económica no Reino Unido avolumam-se. A União Europeia está enredada nos problemas causados pela utopia federalista. A ocorrência da cimeira G8 poderá ter determinado o “quando”, mas certamente que as condições económicas influenciaram decisivamente o “onde”. Os efeitos imediatos não são muito significativos, são recuperáveis e essencialmente redistributivos, entre sectores de actividade e entre emissores de moeda, através de realinhamentos cambiais.
Mas os efeitos a longo prazo podem ser graves e a situação da maior economia mundial é muito complicada: os EUA têm enormes desequilíbrios nas contas públicas e na conta corrente. Estes desequilíbrios surgiram depois da política fiscal expansionista usada pelo governo norte-americano após o 9/11, conjugada com a redução das taxas de juro pelo FED. Não se pode “disparar a mesma bala duas vezes” e os EUA estão hoje numa situação de enorme e perigosa vulnerabilidade económica. O consumo privado disparou em larga medida à custa de uma bolha especulativa no sector imobiliário. Um novo ataque de grandes proporções aos EUA poderá desencadear uma recessão económica profunda nos EUA e, por contágio, uma recessão global.
Se for esse o “cálculo racional” dos terroristas, ontem poderá ter começado a contagem decrescente para um novo ataque de grandes proporções aos EUA.
Não é com discursos políticos emocionados, solidariedades de circunstância nem com medidas avulsas de legislação que se lida com um problema desta dimensão. É preciso assumir a guerra, levá-la ao inimigo e desorganizá-lo, mantendo presente que o inimigo é uma entidade fluida, quase imune às medidas convencionais e não derrotável no sentido militar. É preciso tratar os cidadãos como aliados e não como suspeitos até prova em contrário. Em suma: é preciso prosseguir com determinação o exemplo corajoso de países como a Austrália, que não se deixou intimidar pelo terror.
Ontem ouvi muitas comparações entre o discurso de Blair e os famosos discursos de Churchill. Churchill conhecia e reverenciava os valores políticos pelos quais se batia com uma convicção que não deixava dúvidas; unia e ia até onde fosse preciso (disse certa vez que se Hitler tivesse invadido o Inferno ele próprio faria uma menção elogiosa ao Diabo na Câmara dos Comuns). Precisamos de líderes políticos capazes, não de incompetentes que desculpabilizem crimes com “fome e miséria”.
Deram Tony Blair como “politicamente morto”. Por ironia do destino e no espaço de poucas semanas o mundo livre olha uma vez mais com esperança para o chefe do governo britânico e espera que esta seja, de facto, a sua finest hour.
por FCG @ 7/08/2005 01:41:00 da tarde
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