9.7.05

A autópsia do Cavaquismo

É verdade que tinha sido o ministro das Finanças de Sá Carneiro em 1980, e que sem isso nunca teria chegado onde chegou em 1985. Mas achou Sá Carneiro “demasiado impulsivo e irrequieto”. Dele, Cavaco procurou herdar sobretudo a aura de autoridade, a reputação de quem era capaz de decidir e não temia desagradar. Só que, em vez de liderar um movimento de bipolarização, preferiu chefiar um governo que fosse uma espécie de comité executivo dos “pactos de regime”.

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Cavaco, tal como Eanes, criticou muito os “políticos”, tanto em nome da moral, como da competência. Mas nunca criticou o “sistema”, os valores e os procedimentos consagrados nas instituições. Queixou-se do Tribunal Constitucional e das suas interpretações restritivas da Constituição, mas ao contrário de Sá Carneiro nunca pôs em causa a Constituição. Queixou-se de Soares, mas não quis disputar-lhe a presidência. Sá Carneiro não renegara a classe política, mas combatera o sistema. Cavaco confrontou a classe política, mas aceitou o sistema. Procurou sempre fazer sentir que nada de essencial no regime estava em causa. Queria apenas “credibilizar” a democracia, provando que era governável. Insistiu nos consensos, sem tirar consequências do facto de, como se queixou em 1995, o PS ter votado contra 70% das suas leis de “reforma estrutural”. Quis fazer reformas evadindo a questão de saber se havia condições políticas para fazer reformas. E evadiu essa questão porque a luta contra o sistema, necessariamente bipolarizadora, representava um risco demasiado grande. Era um risco para ele, porque sabia que “era pouco provável que sobrevivesse como líder do PSD em caso de derrota”. E era um risco também para os chefes do PSD. Em 1979, o partido tinha sido mobilizado por Sá Carneiro contra o sistema. Desde 1980, sempre no poder, em Lisboa e na maioria dos municípios, acabara por se confundir com o sistema. Segundo uma revista da época, a percentagem de militantes do PSD entre os gestores do sector público de transportes e comunicações era de 44% em 1985. Com Cavaco, subiu para 66% em 1989. Desde que se mantivesse no poder, eles estariam com ele.