Portugal, Hoje: O Medo de Existir
Li ontem “Portugal, hoje: o medo de existir” de José Gil. Esclareço que o top da FNAC irrita-me e tenho tendência a fugir-lhe, mas tal como com “O Codigo DaVinci” a minha resistência esgotou-se e comprei-o. Li o livro de rajada. Comprei-o por volta das 19 horas de ontem e terminei-o cerca das 2 da manhã. O que significa que o que escrevi acima pode ser um chorrilho de disparates, mas é uma primeira impressão. Voltarei a lê-lo, porque é o tipo de obra que pode mudar uma vida. Aconselhadissimo.
Entendo que é um excelente sinal que um livro desta natureza esteja entre os mais vendidos na FNAC. Assim quem o comprou o leia.
Achei o livro extraordinario no sentido em que José Gil escreve o que todos nos de uma maneira ou de outra ja suspeitavamos. Desta nossa “estranha forma de vida” da qual não nos sentimos responsaveis (alguma força exterior nos tolhe) mas pela qual nos sentimos culpados. Acho piada como nos - e julgo que so nos- rejeitamos a responsabilidade e assumimos a culpa (no sentido Biblico)...makes you go huummm??
José Gil comete uma imprecisão. Eu explico: a imprecisão tem a ver com a unica referência a Guterres, diz José Gil que “...”é a vida”...costumava terminar os comentarios e analises de Antonio Guterres...” , ora Guterres disse-o apenas uma vez, por isso julgo que a frase é imprecisa e este facto não é dispisciendo para a analise que o autor faz do metadiscurso.
Além do salazarismo (obvio) como fonte da não-inscrição e do medo, José Gil encontra a continuação da “alma” portuguesa no Cavaquismo (Enriquecei!) e acaba o livro com um ataque cerrado e quasi-justo ao governo de PSL e à apatia generalizada que decorre da não-inscrição, “nevoeiro” ou “sombra branca” em que caimos. Ora se ha época ou governação em Portugal no pos 25 de Abril que é o paradigma da não-inscrição é o guterrismo. Julgo que descrevendo o que este foi e como (não)governou seria o caminho mais rapido para perceber os efeitos recentes dessa “sombra branca”. O medo do confronto, a procura quase obssessiva do consenso, a hesitação, a inveja, a exaltação da mediocridade, a negação da excelência, a culpa, o “é a vida” e todos os outros muros que José Gil vê na sociedade portuguesa estão presentes no guterrismo. Com o devido respeito e consciência da distância intelectual que me separa de José Gil esta ausência parece-me tudo menos desengajada.
Ha ainda outra coisa. Não se pode pedir, nem me parece que fosse essa a intenção de José Gil, que apontasse soluções ou caminhos de saida. Desde logo, porque num livro quase de bolso seria extremamente dificil senão impossivel. Ja se poderia pedir que olhasse os novos sinais, as novas elites que não aparecem nas noticias, mas existem. Ha esta tendência de olhar para os politicos e intelectuais e procurar neles essas elites. So que o mundo mudou e com essa mudança, mudou o lugar das elites como mudou a maneira como intervêm na sociedade. Ha indiscutivelmente novos protagonistas nas empresas, na universidade e na cultura. O proprio Jose Gil é disso um exemplo, este seu grito pode e tera concerteza efeitos duradouros na vida de muitos de nos. A nova geração de gestores em empresas como a Vodafone, Somague, Optimus e outras é muito menos temerosa e dependente do estado. Novos criadores na musica, na arte, na moda até personagens como Mourinho, Figo e Cristiano Ronaldo têm o efeito de abrir brechas no nosso “medo de existir”. A blogosfera, embora “horizontal” tem divulgado uma nova geração de intelectuais desempoeirados, sem complexos de qualquer espécie, sem medo do confronto - de ideias ou outro e com a noção da importância da excelência. Gente como o Luciano Amaral, Pedro Mexia, Vasco Rato, Daniel Oliveira, Rodrigo Adão da Fonseca, André Azevedo Alves, Carlos Carapinha, João Caetano Dias, João Miranda e tantos outros, estão longe desse “medo de existir” tão verdadeiro e tão bem explicado pelo Jose Gil mas que cada vez tem mais tendencia a desaparecer de "dentro" para "fora" e a tornar-nos mais proximos dos "outros".
P.S. Houve alturas em que me vi aflito. Por ex: "O entorpecimento é um modo particular de escapar à ausência de si a si, e de si ao mundo." De "si a si"? Isto é um bocado Eduardo Prado Coelho, muito "...entre o mais e o mais." Mas enfim, "é a vida " e hei-de la chegar com mais uma ou duas leituras.
P.P.S. post em stereo ("stereo" com copyright do Irreflexões)
por Helder Ferreira @ 5/14/2005 11:59:00 da tarde
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