U2 e a Economia
Pela segunda vez em poucos dias vejo filas intermináveis de aparentes "sem abrigo", dormindo ao relento e aquecendo-se conforme podem. Não são deserdados da vida: são fans dos U2 (é possível argumentar que em 2005 as duas categorias são essencialmente equivalentes). E porque dormem os "fans dos U2" no meio da rua? Porque esperam. Pela sua vez. Pelo bilhete.
Eis um exemplo clássico de má gestão de recursos escassos: se existe um excesso de procura, o mecanismo que deveria coordenar consumidores e "produtores" é o preço. A oferta de bilhetes para o concerto dos U2 é constante (a menos que se acrescentem novas datas), mas o preço monetário dos bilhetes não se ajusta: também ele está fixo. Quer isto dizer que o preço "deixa de funcionar"? Não. Surge um novo preço, agora expresso em unidades de tempo: terá bilhetes para o concerto dos U2 quem estiver disposto a esperar mais; não quem estiver disposto a pagar mais.
Eis a "moral" da história: quando a afectação de um recurso escasso é feita com base na capacidade de pagar um preço "em tempo" daqueles que o desejam, o bem em questão não será consumido pelos que mais o valorizam, mas apenas por aqueles que, em linguagem económica, têm um custo de oportunidade do tempo mais baixo. Quando os jornalistas falam em filas intermináveis dos "maiores fans dos U2" estão enganados: os "maiores fans dos U2" poderão perfeitamente não ver o concerto. Porquê? Porque provavelmente estariam dispostos a pagar mais do que outros potenciais interessados (valorizam mais um bilhete para o concerto), mas eventualmente as suas ocupações profissionais não lhes permitem esperar noites a fio pelo privilégio de estar entre os primeiros a chegar à bilheteira.
Qual a importância deste exemplo? É que o mesmo mecanismo de racionamento pelo tempo de espera é o "preço em vigor" no Serviço Nacional de Saúde e era também o preço "normal" da generalidade dos bens nas economias soviéticas. Ao contrário do que é comum pensar-se entre a esquerda, suprimir o preço monetário não "elimina" o mercado; torna-o simplesmente mais perverso no funcionamento. Os resultados, no caso do SNS, são conhecidos: morre-se, literalmente, à espera.
por FCG @ 3/01/2005 08:50:00 da manhã
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